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Vallda: Entre a fé e a esperança!

        Batiam as duas e um quarto da manhã. A noite relaxava embalada por um silêncio ténue! Ténue e persistente  como a minha vontade de acreditar num milagre. Era a insónia mais amedrontada que alguma vez tinha tido! As pessoas já não usufruam da vida como deve ser, umas, porque não querem, outras, porque, simplesmente, não conseguem. Viver nos tempos de hoje, por si só, já é um autêntico milagre! 
       Havia, em mim, uma saudade de instantes memoráveis, de conversas indeléveis, de toques, tiques e olhares únicos, que eu suspeitava que poderiam não ter retorno! Havia, porventura, uma fé debandada e acutilante, porém, quiçá, já não fosse fé. Pois insistem os crentes que Deus cura. Será que cura? Talvez fosse, aliás, uma esperança doída, quase como uma certeza que ia e vinha, em efeito ioiô. E havia, também, um tic tac acelerado em meu peito em igual compasso ao do relógio despertador, que parecia fitar-me com olhos, ao longe, desde a mesa de cabeceira até à janela, lugar onde eu jazia de pé desde o inicio da noite! Previa eu que a noite fosse, inteiramente, assim, até que o toque irritante do telefone, interrompia-lhe o silêncio. Era cinzento, lembro-me como se fosse hoje, o telefone era cinzento e curiosamente aquela esperança tendia a ter a mesma cor! Ninguém, em seu perfeito juízo, ligaria àquela hora para dar notícias maravilhosas! 
Era a morte mais esperada e menos desejada dos últimos meses! 
Numa questão de segundos tinha que assimilar que dali por diante teria que me reeducar e aprender a viver  sem um dos meus pilares de uma vida inteira. Confirmava-se, não era fé, nem por sombras! Poderia a vida ter-se enganado no guião? Àquela hora, eu podia estar no cochilo da cama, a mesma cama que testemunhava, comigo, aquela noite fatídica, mas, de longe e composta, já que pernoitávamos no interior das mesmas quatro paredes! Podia ter sido um sonho! Um pesadelo! Podia nem ter acontecido! 
        Parei uns instantes para vislumbrar as estrelas e lembrei: dizem os adultos, às crianças que as pessoas quando morrem transformam-se em estrelas! Duvido! Eu via as todas iguais! P'ra mim não, nem eu desejaria que fosse verdade! Mas na metáfora ou na poesia, a estrela cadente que caía, podia ser eu. O meu pensamento estava assim, desconexo! 
         De súbito, parti! Parti rumo ao cadáver mais amado de sempre, tragando cigarros em catadupa,  humedecidos por lágrimas de amor e revolta, pressionando o pedal de um acelerador que parecia teimar em não querer descer, como se eu não conseguisse chegar a tempo de alguma coisa! Sentia-me sozinha numa solidão momentânea e repudiava, cabalmente, a doença: - Maldito Cancro! 
          Contudo, eu sabia que "o amor é mais forte que a morte." Nos últimos tempos, influenciada, pela leitura exacerbada do novo testamento, como se de um livro de autoajuda se tratasse, eu acreditava, piamente, naquele milagre! É por isso que, além de ser e além de estar, o sentido da vida também é amar! 

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